Estiagem x Seca

Você sabia que existe diferença entre esses dois conceitos? Segundo a definição da Secretaria de Defesa Civil (Sedec) do Ministério da Integração:

  • Estiagem é um período prolongado de baixa pluviosidade, ou sua ausência, no qual a perda de umidade do solo é superior à sua reposição;
  • Seca é um período de tempo seco, prolongado o suficiente para que a ausência, deficiência acentuada ou fraca distribuição da chuva provoque grave desequilíbrio hidrológico.

Margem sem vegetação indica estiagem severa no Reservatório do Funil em 2014

Do ponto de vista meteorológico, a seca é considerada também uma estiagem prolongada, caracterizada por provocar uma redução relevante das reservas hídricas existentes.

Situações de secas e estiagens não são necessariamente consequências de índices pluviais abaixo do normal ou de teores de umidade de solos e ar deficientes. Ocorrem também devido ao manejo inadequado de corpos hídricos e bacias hidrográficas, como resultado da intervenção desordenada do ser humano no ambiente.

Estiagem do Rio Paraíba do Sul 2014/2015

No ano de 2014, uma estiagem severa, a pior dos últimos 85 anos de registro histórico, foi observada na Bacia do Rio Paraíba do Sul. Em 2015, a estiagem continuou rigorosa, com alguns meses superando o pior histórico desde 1931, em um indício de que a crise hídrica continuou pelo segundo ano consecutivo.

Historicamente, nos meses de novembro a março ocorrem as maiores chuvas, que aumentam a vazão no rio e a acumulação nos reservatórios. Contudo, isso não ocorreu em 2014/2015, e essa estiagem pode ser ilustrada no gráfico das vazões naturais (vazões que ocorreriam no rio considerando a inexistência de intervenções como barragens e captações, entre outras) em Santa Cecília, ponto da Bacia do Rio Paraíba do Sul onde ocorre parte da transposição das águas para o Rio Guandu.

Nesse gráfico, estão apresentados os valores mínimos e médios mensais do histórico de 1931 a 2013 e traçados os valores ocorridos nos anos de 2014 e 2015. Observa-se que o ano de 2014 apresentou valores inferiores ou muito próximos do mínimo histórico. Não muito diferente foi o ano de 2015, que só conseguiu alcançar o valor médio em dezembro.

Os primeiros indícios da crise se deram em janeiro de 2014, quando foram observadas afluências abaixo da média, as quais, em fevereiro do mesmo ano, se configuraram como as piores do histórico para esse mês. À época, a Agência Nacional de Águas (ANA) solicitou atenção ao Operador Nacional do Sistema (ONS) quanto à operação dos reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN), de modo a garantir os usos múltiplos da Bacia Paraíba do Sul.

O Rio Paraíba do Sul nasce no Estado de São Paulo, é formado pela junção dos rios Paraibuna e Paraitinga, na Serra da Bocaina, e tem as nascentes dos seus principais afluentes em território mineiro. Após percorrer mais de 1.100 km, deságua no mar, no município de São João da Barra, no Estado do Rio de Janeiro.

Bacia do rio Paraíba do Sul

A Bacia do Rio Paraíba do Sul abrange, total ou parcialmente, 184 municípios, sendo 39 localizados no Estado de São Paulo, 57 no Estado do Rio de Janeiro e 88 em Minas Gerais. Nela está localizado um complexo sistema hidráulico, composto por quatro grandes reservatórios (Paraibuna, Santa Branca, Jaguari e Funil) e uma transposição de água para a Bacia do Rio Guandu, no médio curso do Rio Paraíba do Sul no Estado do Rio de Janeiro.

Mais de 12 milhões de habitantes (75% da população fluminense), grande parte do parque industrial e aproximadamente 85% da agricultura irrigada do Estado do Rio de Janeiro são abastecidos pelas águas da Bacia do Rio Paraíba do Sul (Inea, 2014). Além de ser fundamental para o atendimento das demandas atuais, a Bacia do Rio Paraíba do Sul é a única reserva estratégica capaz de atender às próximas gerações, tanto na sua própria região hidrográfica quanto na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e na Bacia do Rio Guandu.

Pelo fato da Bacia Paraíba do Sul se situar a jusante dos estados de São Paulo e Minas Gerais, a gestão compartilhada dela e o controle das demandas nesses estados são fundamentais para garantir a segurança hídrica do Rio de Janeiro.

Ações de enfrentamento durante a estiagem 2014/2015

Ao longo de 2014, a ausência de chuvas significativas nas cabeceiras dos reservatórios implicou um registro de vazões muito baixas e a consequente diminuição expressiva dos volumes armazenados nos reservatórios do Sistema Hidráulico do Rio Paraíba do Sul. A revista Ineana possui um artigo que trata da precipitação ocorrida neste período.

A gravidade da estiagem afetou a oferta de água do Rio Paraíba do Sul e, consequentemente, do Rio Guandu, implicando a necessidade de adoção de diversas ações para garantir o abastecimento dos usuários.

Diante desse cenário, com o objetivo de atender aos usos múltiplos, houve a necessidade de adoção de diversas medidas. As principais foram a mudança temporária nas regras de operação do Sistema Hidráulico do Rio Paraíba do Sul e as adaptações nas captações para abastecimento humano e industrial.

A primeira ação proposta pelo Grupo de Trabalho Permanente de Acompanhamento da Operação Hidráulica na Bacia do Rio Paraíba do Sul (GTAOH), do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap), foi poupar os estoques dos reservatórios, por meio de mudanças em suas regras de operação. A proposta consistia na diminuição gradual da vazão objetivo em Santa Cecília. Para isso, a Agência Nacional das Águas (ANA) deveria autorizar a operação de vazões inferiores a 190 m³/s, em Santa Cecília, mediante novas resoluções. Sendo assim, a primeira resolução emitida pela ANA foi a nº 700, de 27/05/2014, autorizando a prática da vazão de até 173 m³/s.

Ao longo de 2014 e 2015, a operação da vazão objetivo em Santa Cecília foi diminuindo, até atingir 110 m³/s em fevereiro de 2015. Vale destacar que a implementação das autorizações indicadas pelas resoluções da ANA se deu de maneira gradual e parcial, devido aos impactos para os usuários ao longo dos rios Paraíba do Sul e Guandu.

Além de impactos na geração de energia, as reduções das vazões geraram consequências sobre outros usos de água na bacia. As reduções foram identificadas por meio de vistorias, análise dos sistemas de captações e relatos dos usuários.

Alguns municípios tiveram suas captações para abastecimento público afetadas. Os municípios fluminenses de Barra Mansa, Barra do Piraí, São Fidélis, Vassouras, Sapucaia e Três Rios apresentaram problemas na sua estrutura de captação em razão do rebaixamento do nível do rio. Já em São João da Barra, o problema maior foi em razão do aumento da intrusão salina, pelo fato de a captação se localizar próximo da foz do rio.

O monitoramento hidrológico por meio de estações hidrometeorológicas telemétricas foi fundamental para conhecer a real necessidade dos usuários. Através dos dados de níveis d’água em tempo real, era possível tomar decisões quanto à operacionalidade das vazões, visando minimizar os efeitos da redução. Além disso, foram intensificadas as campanhas de controle da qualidade das águas em locais estratégicos.

Em novembro de 2014, foi então elaborado o Plano de Ações Complementares para a Gestão da Crise Hídrica na Bacia do Rio Paraíba do Sul, contendo medidas passíveis de serem implantadas com vistas a priorizar o uso da água para abastecimento humano. Os municípios que captam águas do Rio Paraíba do Sul puderam contar com auxílio técnico para o estabelecimento de medidas emergenciais de curto prazo já implementadas, bem como para o estudo de soluções permanentes de médio e longo prazo, que foram implementadas com recursos do Ceivap, por meio das Deliberações Ceivap nº 225 e 226, de 2015.

Em janeiro de 2015, a Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro criou ainda o Gabinete de Segurança Hídrica do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de discutir medidas para o aumento da segurança hídrica no Estado. Inicialmente, o foco foi discutir as ações necessárias para mitigar os impactos dos usuários do Canal de São Francisco.

Diante do baixo volume de água estocado nos reservatórios do Paraíba do Sul durante as estações de chuva de 2014, a Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro criou, em janeiro de 2015, o Gabinete de Segurança Hídrica. A comissão reúne autoridades da Secretaria, além de técnicos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), para, em conjunto com os usuários, encontrar alternativas para o consumo sustentável de água e garantir a segurança hídrica no Estado do Rio.

Inicialmente, o grupo focou em definir e acompanhar a execução de soluções emergenciais e de curto prazo para os usuários do Guandu, de tal modo que, além de viabilizar a diminuição temporária da transposição de água para o Rio Guandu, elas permitissem, consequentemente, economizar ainda mais as águas estocadas nos reservatórios do Paraíba do Sul. No auge da crise, a periodicidade de reuniões era semanal. Atualmente, os encontros são mensais ou bimestrais e têm como enfoque soluções definitivas e de médio prazo para os problemas de captação dos usuários do Guandu.

Ações desenvolvidas pelos usuários do Guandu

Os principais afetados pela redução das águas transpostas para o Guandu foram as indústrias localizadas no Canal do São Francisco (foz do Guandu) . As captações das indústrias no Canal do São Francisco apresentavam entrave para a efetivação das reduções de vazão, em razão do consequente aumento da intrusão salina na foz do canal, que acaba servindo de porta para a entrada de água salgada em um trecho do rio.

Essas empresas, para os seus processos industriais, não podem captar água salgada. Quando a vazão do rio foi diminuída para economizar água doce, a água do mar conseguiu avançar mais rio adentro e acabou chegando até o ponto de captação dessas empresas.

Por essa razão, o Gabinete de Segurança, inicialmente, focou em reuniões com os usuários da Associação das Empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz e Adjacências (AEDIN) e a Cedae. Nesse contexto, a AEDIN propôs a construção de uma estrutura hidráulica provisória (soleira submersa), com o intuito de barrar o avanço da cunha salina. Adicionalmente, a empresa TKCSA teve que mudar sua captação para um ponto a montante, no mesmo local de captação de outras três empresas (FCC, Gerdau e Furnas). Esse conjunto de obras foi concluído no final de agosto de 2015.

Estrutura hidráulica provisória (soleira submersa) no Canal de São Francisco para conter a cunha salina

No entanto, os usuários continuaram com dificuldades para a captação, sendo necessários ajustes na soleira, concluídos no final de 2015. Ao conjunto dessas empresas, o Gabinete de Segurança Hídrica ainda apresentou como uma das soluções definitiva de abastecimento a possibilidade de utilizar água de reúso da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu, operada pela Cedae. Ações de médio prazo continuam sendo estudadas, abrangendo tanto a proposta de reúso das águas residuais da ETA Guandu quanto a implantação de uma planta de dessalinização, ou, ainda, a mudança dos pontos das captações para um local livre de impacto da intrusão salina.

Em fevereiro de 2015, o reservatório equivalente teve seu maior declínio, quase chegando a zero. No entanto, os esforços realizados permitiram chegar ao fim de 2015 com um volume acumulado de 18%.